
Se vocês acompanharam a segunda temporada de Cosmos com Neil deGrasse Tyson em 2015, mais especificamente, no ep. 08, onde ele conta a gênese da astrofísica moderna, talvez vocês se recordem de duas mulheres que foram responsáveis pela primeira catalogação e classificação estelar da história, dando início ao que hoje conhecemos como astrofísica estelar. Estou falando de Annie Cannon e Cecília Payne.
No começo do século XX, a espectroscopia era a técnica mais usada para determinar a composição de um objeto. Mas analisar os espectros das estrelas era um trabalho cansativo e requer muita paciência. Alguns desses espectros mostravam as linhas de Balmer do hidrogênio (H) de uma maneira proeminente. Outros espectros exibiram várias linhas de absorção de cálcio (Ca) e ferro (Fe). Outros ainda são dominados por grandes características de absorção causadas por moléculas tais como a do óxido de titânio (TiO).
Embora as mulheres daquela época não fossem aceitas como astrônomas, o trabalho de catalogar as estrelas foi realizado, no início do século XX, por um grupo de mulheres sob a supervisão de Edward C. Pickering no Harvard College Observatory. Ele teve a ideia genial de usar mulheres em um monumental projeto de examinar os espectros já obtidos de milhares de estrelas.

Henrietta S. Leavitt (a direita) e Annie J. Cannon (à esquerda). Fonte: Harvard University Library
O objetivo delas era desenvolver um sistema de classificação espectral no qual todos os aspectos espectrais, e não somente as linhas de Balmer, variavam suavemente de uma classe espectral para a próxima.
A líder de equipe, Annie Jump Cannon (1863-1941), praticamente surda, fez grande parte deste trabalho) que, sozinha, classificou os espectros de mais de 250000 estrelas. A sua fiel companheira Henrietta Swan Leavitt, também era a segunda mulher mais importante da sala, nas classificações espectrais.
Annie catalogou as estrelas, de acordo com 7 classes amplas, segundo os padrões de linhas espectrais, cada uma indicada por uma letra: O - B - A - F - G - K - M
Annie catalogou as estrelas, de acordo com 7 classes amplas, segundo os padrões de linhas espectrais, cada uma indicada por uma letra: O - B - A - F - G - K - M
A outra mulher mais importante, foi Cecilia Payne-Gaposchkin (1900 - 1979). Ela foi ousada em ter um diploma avançado de astronomia, numa época em que as mulheres eram proibidas de ter tal diploma. Cecília e Annie se tornaram grande amigas. Annie ensinou a Cecília tudo que ela sabia sobre as estrelas e em troca, Cecília lhes trouxe a experiência de energia atômica e física teórica.

Cecilia Payne-Gaposchkin foi uma das primeiras a estudar o interior do Sol. Aqui está ela em seu escritório. Instituição Smithsonian @ Flickr Commons.
Foi daí que ocorreu o grande trunfo: Cecília então descobriu que as estrelas são formadas praticamente de Hélio e Hidrogênio, assim como nosso Sol e ela também descobriu que a classificação de Annie na verdade era uma escala de temperatura das estrelas, indo da mais quente para a mais fria.
Depois de ser rejeitado pelo próprio Russell, seu trabalho principal, "Atmosferas estrelares", se tornou a tese de doutorado mais brilhante da astronomia de todos os tempos.
Edward Charles Pickering, diretor do observatório, discordou com o sistema de classificação e explicação das diferentes larguras de linha de Maury. Em resposta a esta reação negativa ao seu trabalho, ela decidiu deixar o observatório. No entanto, nada mais nada menos que o astrônomo dinamarquês Ejnar Hertzsprung percebeu o valor de suas classificações e os usou em seu sistema de identificação de estrelas gigantes e anões.
Esse trabalho nos possibilitou ler a assinatura e a biografia das estrelas.
Classificação espectral de Morgan-Keenan. Wikipedia, usuário Kieff
Outra mulher importante na classificação estelar foi Harvard Antonia Caetana de Paiva Pereira Maury, nascida no estado de Nova Iorque, em 1866. Ela recebeu esse nome em homenagem a sua avó materna, Antonia Caetana de Paiva Pereia, que pertencia a uma família nobre que fugiram de Portugal para o Brasil por conta das guerras de Napoleão Bonaparte.
Antonia Maury no Harvard College. Observatório da Harvard College
Em 1908, Maury voltou a Harvard College Observatory, onde permaneceu por muitos anos. Sua obra mais famosa, houve a análise espectroscópica da estrela binária Beta Lyrae, publicado em 1933. Em 1943 foi agraciada com o Prêmio Annie Jump Cannon de Astronomia pela Sociedade Astronômica Americana.

Hoje sabemos um pouco mais sobre elas, graças às mulheres de Harvard.
Payne, Annie, Leavitt e Maury foram 4 grandes mulheres que contribuíram para a ascensão da astrofísica moderna. Elas, assim como outras tantas mulheres na ciência, merecem nossa homenagem, por enfrentarem o preconceito de sua época, quebrar tabus e romper barreiras.